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  • Foto do escritorYanara Miranda

A CULTURA DO ESTUPRO

A gente sempre ouve falar sobre a cultura do estupro, mas o que significa de fato esse termo? O termo cultura do estupro, vem nos alertar que naturalizamos através da cultura, práticas de violências. A expressão "cultura do estupro" surgiu nos anos 1970 e foi usada por feministas para indicar um ambiente cultural propício a esse tipo de crime, por ter mecanismos culturais (normas, valores e práticas) em que as pessoas acabam naturalizando e aceitando violências em relação à mulher.


O termo é utilizado para descrever um ambiente no qual o estupro é predominante e, no qual a violência sexual contra as mulheres é normalizada na mídia e na cultura popular. Para compreendermos é importante que entendemos um pouco sobre o que é cultura e seu papel nas nossas vidas. Como também, é necessário que desmitificamos algumas ideias em volta dessa violência tão cruel.


O conceito de cultura se refere ao conjunto de crenças, valores, práticas, conhecimentos e outros elementos simbólicos e materiais produzidos, transmitidos e transformados pelos seres humanos em suas sociedades. Em geral, quando falamos de cultura, remetemos a algo positivo e legítimo. E é aí que pode morar o incômodo com o termo “cultura do estupro”. A palavra cultura nesse caso, não simboliza algo positivo, nem legítimo. Também não é uma crítica que sugere, por exemplo, que a sociedade seria conivente com o estupro.


A nossa cultura pode possuir diversos aspectos bons. No entanto, nossa cultura pode abrigar também comportamentos que estamos acostumados a aceitar, mas que não são necessariamente bons. Como nós crescemos vivenciando e aprendendo a repetir esses comportamentos, nossa tendência é pensar que eles são naturais. Ou seja, que faz parte de nós enquanto seres humanos.  A palavra cultura no termo cultura do estupro reforça a ideia de que esses comportamentos não podem ser interpretados como normais ou naturais. Se é cultural, nós criamos. Se nós criamos, podemos mudá-los.


A cultura do estupro no Brasil não pode ser desvinculada de nosso passado colonial e escravocrata. As mulheres negras, escravas, eram consideradas “coisas”, propriedades dos donos das fazendas e eram sistematicamente estupradas, além de sofrerem diversas outras violências. Eram responsabilizadas pelas mulheres brancas e pelos homens brancos pela suposta sedução do “senhor”. O comportamento violento dos senhores brancos, donos das escravas e escravos, não era questionado. A hipersexualização das mulheres negras advém dessa criação para justificar o estupro. Assim, o sexismo e o racismo fundamentam a cultura do estupro no Brasil. Não é por outra razão que as mulheres negras são as que mais sofrem com a violência doméstica e sexual em nosso país.


Ao disseminar termos que difamam as mulheres, permitem a objetificação dos corpos e glamurizam a violência sexual, a cultura do estupro passa adiante a mensagem de que a mulher não é um ser humano, e sim uma coisa. "Vivemos em uma sociedade patriarcal (racista) que considera que nós mulheres somos sujeitos de segunda categoria, ou em alguns casos, que não somos sujeitos e podemos ser utilizadas ou destruídas", explica Izabel Solyszko, que é professora, assistente social e doutoranda em Serviço Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


O que caracteriza o estupro é ausência de consentimento. O crime de estupro está previsto no artigo 213 do Código Penal Brasileiro. A lei brasileira de 2009 considera estupro qualquer ato libidinoso contra a vontade da vítima ou contra alguém que, por qualquer motivo, não pode oferecer resistência. Ou seja, não importam as circunstâncias, se foi contra a vontade própria da pessoa, por qual seja o motivo, é considerado violência, é crime.


"O que leva um sujeito a cometer um estupro pode ser uma série de coisas. Entre elas, um não entendimento de que o que está fazendo é violência, não ver seu ato como violência sexual, e isso tem relação com a educação. É uma questão cultural" Sagrillo. 

Existem alguns mitos em torno desse tipo de violência, sendo os principais deles o de que o agressor é uma pessoa estranha e o segundo de que é um ser cheio de problemas psicológicos. Um levantamento realizado pelo IPEA em 2014 aponta que 24,1% dos agressores das crianças são os próprios pais ou padrastos, e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. Isso sem contar casos de violência contra a mulher dentro de relacionamentos como namoros e casamentos, onde as linhas entre o consensual e a violência são mais nebulosas.


"A descoberta do homem de que sua genitália poderia servir como uma arma para gerar medo deve ser classificada como uma das descobertas mais importantes dos tempos pré-históricos, juntamente com o uso do fogo e o primeiro machado de pedra bruta. Dos tempos pré-históricos até o presente, creio eu, o estupro tem desempenhado uma função crítica. Isto é nada mais nada menos do que um processo consciente de intimidação pelo qual todos os homens mantêm todas as mulheres em um estado de medo"Susan Brownmiller

A cultura do estupro é, em termos gerais, a banalização e normalização de crimes pela sociedade que compactua e estimula essa cultura de diversas maneiras, como por exemplo, o beijo “roubado”, a paquera “cheia de mãos”, a transa que rolou porque o cara insistiu muito, o sexo com a mulher alcoolizada, o sexo desconfortável no pós-parto, o cara que se recusa a usar preservativo ou que tira o preservativo sem que a mulher perceba, consumir músicas que diminuem a mulher e disseminar vídeos, imagens, comentários e piadas sexistas que contribuem para que a objetificação da mulher seja reforçada.


"Nessa cultura machista que só pode se sustentar pela existência de uma sociedade patriarcal racista, são diversos os mecanismos que vão das piadas que nos desqualificam para dirigir, para ser engenheiras, para ser presidente do país até a violência sexual no transporte público e nas ruas" Izabel Solyszko.

Precisamos acabar com a cultura do estupro e com a cultura da violência contra as mulheres e podemos começar com a educação, um processo mais longo, porém com resultados mais sólidos. Mas a educação deve ser de outro tipo. Precisamos de uma educação que ensine para os meninos, desde crianças, que o corpo da mulher não é objeto, que ele não existe para ser violado e para ser agredido. Precisamos de uma educação onde o respeito ao outro seja ensinado. Precisamos de uma educação mais amorosa.


Precisamos de políticas públicas educacionais voltadas a combater a discriminação por sexo, gênero e raça, os serviços de acolhimento às mulheres sexualmente vitimadas, o não julgamento, incluindo o abortamento humanizado decorrente do estupro.


Precisamos pensar em reduzir ao máximo o atendimento e o procedimento da violência sexual pelo sistema de justiça criminal, e em deslocá-los para o âmbito da saúde (física e psíquica), ou, ainda, combinar o atendimento jurídico com atendimento educativo e de saúde. Com isso, talvez também possamos refletir sobre uma cultura antiestupro que viabilize formas mais humanizadas para o atendimento às mulheres e políticas mais educativas e sanções de outra natureza (não exclusivamente a prisão) para homens que cometeram estupro.


Precisamos de uma reflexão conjunta para humanização de nossas práticas e perspectivas de mundo.


REFERÊNCIAS:

  • Izabel Solyszko, professora, assistente social e doutoranda em Serviço Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

  • Susan Brownmiller é uma jornalista norte-americana, ativista feminista e autora de diversos livros relacionados a essa temática

  • Instituto Patricia Galvão

  • “O Segundo Sexo” Simone de Beauvoir

  • “Feminismo em Comum” Marcia” Tiburi

  • Livro "Seja Homem" JJ BOLA

  • Instituto Maria da Penha - https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html


IMAGEM:

Dee Studio - Ilustracao



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