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  • Foto do escritorYanara Miranda

A MATERNIDADE COMPULSÓRIA DIZ: “TODA MULHER NASCEU PARA SER MÃE”

Atualizado: 14 de fev.

Esse é um tema bastante indigesto. Vamos precisar pensar em questões para muito além da romantização feita em cima desse assunto. E quando eu digo, feita, é porque a maternidade compulsória é projeto do sistema sexista patriarcal em que somos inseridas e inseridos. A maternidade compulsória diz: “toda mulher nasceu para ser mãe”, e seguimos sendo. Cumprindo papeis de gênero sem questionar. O que eu chamo atenção então, é que precisamos questionar. É importante que a maternidade seja uma escolha com embasamentos, e não apenas, um caminho natural.


A perspectiva de gênero nos possibilitou abordar a maternidade em suas múltiplas facetas. Ela pôde ser abordada tanto como símbolo de um ideal de realização feminina, como também, símbolo da opressão das mulheres, ou símbolo de poder das mulheres, e assim por diante, evidenciando as inúmeras possibilidades de interpretação de um mesmo símbolo. Mas, para além disso, foi possível compreendê-la como um símbolo construído histórico, cultural e político como resultado das relações de poder e dominação de um sexo sobre o outro. Esta abordagem contribuiu para a compreensão da maternidade no contexto, cada vez mais, complexo das sociedades contemporâneas.


A problematização é que a maternidade para nossa sociedade é, como Judith Butler define: instituição social compulsória. Assim, maternidade compulsória consiste no conjunto de práticas socioculturais e políticas que levam as mulheres a se tornarem ou desejarem ser mães, sem que isso represente de fato uma escolha. Sem questionamentos reais, que possibilite a mulher fazer escolhas com distanciamento do determinismo biológico.


A maternidade começou a ser questionada, paralelamente às grandes mudanças ocorridas nas sociedades ocidentais pós-segunda guerra mundial: aceleração da industrialização e da urbanização; inserção crescente das mulheres brancas de classe média no mercado de trabalho*1; controle da fecundidade com o advento da contracepção (sobretudo a pílula contraceptiva)*2.


Simone de Beauvoir, filósofa e escritora francesa publicou em 1949 o Segundo Sexo*3, obra contundente que provocou escândalo e adesões, "contestando todo determinismo biológico ou destino divino, afirmando a perspectiva que “ser é tornar-se”, resultando em sua célebre ideia "não se nasce mulher, torna-se mulher". Questionando a função da maternidade no contexto do pós-guerra, em que as forças conservadoras defendiam a família, a moral e os bons costumes, enquanto o determinismo biológico reservava às mulheres um destino social de mães.


A maternidade começava, então, a ser compreendida como uma construção social, que designava o lugar das mulheres na família e na sociedade, isto é, a causa principal da dominação do sexo masculino sobre o sexo feminino. A mulher destinada para a reprodução biológica – gestar, parir, amamentar, cuidados com a criança – determinando seu lugar no espaço privado e assim, afastando-a dos espaços públicos. Um grande projeto publico social.


No sistema patriarcal-capitalista a decisão pela maternidade é marcada pela divisão sexual do trabalho, pela apropriação das mulheres como sujeito e pelo controle de seus corpos, bem como dos produtos que esse corpo pode gerar (como ter filhos e a quantidade – no sistema capitalista, pessoas são mão de obra trabalhadora, ou seja, é necessário que mulheres tenham filhos). A condição de obrigação sexual a que muitas estão submetidas (seja em relações extraconjugais ou mesmo no casamento), a falta de conhecimento do próprio corpo, o pouco acesso à educação sexual, aos métodos contraceptivos, a falta de equipamentos públicos (como creches, restaurantes populares e transporte acessível), o encargo majoritário sobre elas com o cuidado com a família e a criação de novos indivíduos, além de um sistema de normas que reproduz a imagem da mulher como alguém doce, amorosa e maternal por essência, são elementos da realidade que as mulheres enfrentam em seu cotidiano para decidir sobre a maternidade.


A socialização feminina é fortemente marcada pela maternidade. O assunto maternidade é imposto às mulheres. Desde pequenas, meninas recebem carrinhos de bebê e bonecas para "brincarem de ser mamãe". Brincadeiras estas que têm profunda relação com o espaço doméstico. Assim, mulheres crescem aprendendo a vincular o cuidado das crianças à casa e ao papel de mãe. Curioso, que o mesmo não se faz na criação dos meninos. Ou seja, as meninas e mulheres são estimuladas de forma compulsória para a maternidade, mas a paternidade não é incentivada para os meninos e homens. Sendo que para se gerar uma nova vida, será necessário colaboração de ambos. Os estímulos compulsórios são destinados apenas a um gênero, por que será né?!


A própria ideia de identidade feminina se baseia na maternidade. A "mulher ideal" é mãe. E a "mulher mais feminina" é aquela com atributos considerados maternos. Essa expectativa cria a noção de que mulheres precisam, sabem e gostam de maternar sobrinhos, filhos de amigas, parceiros amorosos, colegas de trabalho, parentes, animais de estimação. Quem não experimenta a maternidade, não sabe o que é amar, dizem. Também disseminam a crença de que toda mulher seria mais feliz sendo mãe. Que a maternidade torna a vida mais completa. E que um casal só se ama de verdade quando tem filhos. A idealização romantizada já está imposta, naturalizada como viés de ser ou não ser feliz e completa. Esse mecanismo é estimulado de maneira consciente pelos interesses sociais, mesmo que as mulheres não pensem sobre ele.


Em meio a essa construção cultural patriarcal-capitalista, não tem espaço para dúvidas entre o querer de fato e o percurso de vida predestinado pelo determinismo biológico. O sexismo impôs as mulheres esse papel de gênero. A cultura social delimitou a maternidade como percurso de vida e sinônimo de felicidade plena para as mulheres. O capitalismo alimenta diariamente a maternidade, porque é benéfico para o sistema. A maternidade se torna compulsória quando é tão naturalizada que sequer a questionamos.


“Não há mãe ‘desnaturada’, posto que o amor materno nada tem de natural; (…) Não há nisso nenhum ‘instinto materno’ inato e misterioso. A menina constata que o cuidado das crianças cabe à mãe, é o que lhes ensinam; relatos ouvidos, livros lidos, toda a sua pequena experiência o confirma; encorajam-na a encantar-se com essas riquezas futuras, dão-lhe bonecas para que tais riquezas assumam desde logo um aspecto tangível. Sua ‘vocação’ é imperiosamente ditada a ela” Simone de Beauvoir

Quando perguntada a uma mulher sobre maternidade, elas não sentem que precisam justificar as razões pelas quais decidiram ter filhos, porque tê-los integra o comportamento feminino normativo. Esse é o padrão. Porém, ser mãe deveria ser resultado de um ato de escolha consciente e de liberdade. Quer dizer, ter as condições físicas e biológicas para procriar não pode ser a única razão para o exercício da maternidade. E porque será que não é dado informação e educação o suficiente, para a mulher questionar seus desejos e assim, fazer escolhas saudáveis?


Você consegue separar, no seu imaginário sobre maternidade, o que é uma construção sua e o que é socialização, pressão social, necessidade de adequar-se? Sinto em dizer, que dificilmente vamos conseguir fazer essa diferenciação. Poucas de nós, chega a questionar essa imposição e muitas de nós, apenas cumprem papeis pré-estabelecidos. Por isso, lanço luz para esse tema. Não por um julgamento sobre ser ou não ser, mas porque acredito e luto por uma sociedade que seja capaz de se opor a dominação sobre nossos corpos, e tome para si, as próprias escolhas. Para isso, é necessário ferramentas que possibilite o questionamento, para se optar por escolhas conscientes. A mulher quer ser mãe ou essa questão está tão atrelada a sua construção, que simplesmente é um caminho a ser cumprido?


*1 – Inserção das mulheres no mercado de trabalho pós-segunda guerra, devido o fato dos homens estarem lutando na guerra e alta mortalidade desses, fez com que mulheres adentrassem no espaço público – As mulheres negras já ocupavam o mercado de trabalho a muito tempo devido suas condições de desigualdade.

*2 A pílula foi aprovada em 1960, apesar de ser um símbolo de emancipação sexual feminina, ainda hoje é preciso que lutamos para ter a real liberdade sobre escolhas de reprodução e sexualidade.

*3 Livro o Segundo Sexo de Simone de Beauvoir, link disponível no fica a dica do blog


REFERÊNCIAS:

  • “O Segundo Sexo” Simone de Beauvoir

  • “Problemas de Gênero” Judith Butler

  • “O feminismo é para todo mundo” bell hokks

  • “Para Educar Crianças Feministas” e “Sejamos Todos Feministas” Chimamanda Ngozi Adichie


IMAGEM:

@BELANDRADELINA

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