top of page
Buscar
  • Foto do escritorYanara Miranda

“AQUELE QUE EU AMO DESEJO QUE SEJA LIVRE ATÉ DE MIM”

Em uma sociedade que considera falar de amor algo “brega” e que associa o exercício de amar com sistemas de poder, opressão e submissão, a proposta apresentada por bell hooks em seu livro “Tudo sobre o amor” é corajosa e desafiadora. bell hooks diz que resolveu escrever sobre o amor porque “encontrou cinismo no lugar de esperança nas vozes dos jovens e adultos”, e que cinismo é a maior barreira que pode existir diante do amor, porque ele intensifica nossas dúvidas e nos paralisa. E a prática transformadora do amor, manda embora o medo e liberta nossa alma.


Os romances contados com “era uma vez” e “foram felizes para sempre”, forjaram o nosso imaginário sobre o amor. Precisamos abandonar a ideia de que o amor é um sentimento e entendermos que o amor é uma prática ética de vida, que implica uma postura perante o mundo e uma forma de ser e de se colocar em sociedade.


Ao contrário do que nossa sociedade tenta desenhar, o amor não significa fraqueza ou irracionalidade, bell hooks nos diz que o amor significa potência. “Anuncia a possibilidade de rompermos o ciclo de perpetuação de dores e violências para caminharmos rumo a uma sociedade amorosa”.  Seguindo a lógica de pessoas que oferece o amor como transformação social, como Martin Luther King Jr., por exemplo, o amor é capaz de transformar todas as esferas da vida: a política, a religião, o local de trabalho, o ambiente doméstico e as relações intimas.


Nas relações intimas, precisamos então redefinir o amor. Nossa sociedade entende que já nascemos sabendo amar, e que nada precisa ser ensinado e exercitado sobre o amor. Em contrapartida, relaciona a prática do amor com disputa e poder, confundindo amor com violência. Em relações onde há hierarquia de gênero, raça e/ou classe, esse sistema de poder fica evidente. “O impacto do patriarcado e a forma de dominação masculina sobre mulheres e crianças são barreiras para o amor”.


A ideia de que “para ser dois, não podemos ser um” ou “somos a metade da laranja e não duas laranjas inteiras” só pode ser normalizada em uma sociedade profundamente capturada pelo amor romântico – que por definição também é patriarcal, colonialista, conservador moralista e monogâmico.


A dificuldade em cultivar o individualismo, em uma relação, existe com um mix de sentimentos (medo, tristeza, raiva e vergonha), e caracteriza a sociedade possessiva em que vivemos (“possessiva” de posse, mesmo, tanto de mercadorias quanto de pessoas). Então, a contradição nasce na geração atual. Queremos nosso individualismo dentro das relações amorosas, mas não estamos dispostos a deixar livre a outra pessoa - quem compartilhamos a vida. Não negociamos nossos prazeres, nossos hobbies, nossa solitude, nossa construção até aqui, mas não sabemos lidar quando o outro nos impõe o que nos mesmo não negociamos.


Queremos a sorte de um amor tranquilo, mas o que estamos fazendo para construir essa “sorte”? Estamos, realmente, exigindo na mesma proporção que estamos dispostos a doar? Nessa sociedade que funciona com base na opressão, não sabemos amar. Não fomos ensinados a prática do amor saudável e, temos medo de aprender, de abrir mão das opressões que nos dão uma falsa sensação de segurança narcísica – “ele/ela é só meu/minha”. As ferramentas que nos deram foram o medo, a insegurança, a disputa, a submissão, o poder. “Onde há abuso, a pratica amoroso fracassou”.


Para uma sociedade que não foi ensinada a prática do amor saudável, que naturalizou o amor como posse, que faz das relações amorosas botes de salva vidas, que alimenta a insegurança de indivíduos, que não ensinou o amor próprio e que coloca nas relações um peso moralista, a frase “aquele que amo desejo que seja livre até de mim” carrega um desconforto.


“Essa ideia de amor romântico é uma das ideias mais destrutivas na história do pensamento humano”. A ideia de que o amor se dá em um “estalo”, em um “clique”, ‘do nada’, que não necessita de construção, de disposição, de empenho e depende apenas de química, atrapalha nosso caminho para o amor.


Mas podemos construir modos de respeitar e acolher as nossas inseguranças, sem limitar a autonomia mutua dentro de um relacionamento íntimo. Ao pensar o amor como ação, precisamos assumir a responsabilidade e o comprometimento com esse aprendizado. O despertar para o amor só pode acontecer se desapegarmos da obsessão por poder e domínio. O amor é a ação capaz de transformar a ganância e a obsessão pelo poder que dominam nossa cultura - Se o desamor é a ordem do dia no mundo contemporâneo, falar de amor e praticar o amor, pode ser revolucionário.



REFERÊNCIAS:

  • "O amor como prática da liberdade" bell hokks

  • “O feminismo é para todo mundo” bell hokks

  • "Por todas nós: Conselhos que não recebi sobre luta, amor e ser mulher" Ellora Haonne


IMAGEM

Artista quinaud

0 comentário

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page