Família é um ente situado historicamente, cujo funcionamento atende, a necessidade econômica de cada modo de produção, em tempo e espaço.
Família já foi constituída por grupos, porque naquele dado momento histórico, aquele grupo precisava se relacionar daquela forma para atender economicamente a sociedade. Mas a configuração de família adotada atualmente como norma, é a família que atende as necessidades da sociedade capitalista ocidental e, está diretamente relacionado ao modelo de economia. No caso, a família tida como a “família tradicional” ou família nuclear: A famosa família estampada em propagandas, com estereótipo de raça, classe e gênero, ou seja, a família branca de classe social burguesa, com a figura do pai provedor da casa, da mãe cuidadora do lar e dos filhos biológicos.
Entende-se, também, que família representa o espaço de socialização, de busca coletiva de estratégias de sobrevivência, local para o exercício da cidadania, possibilidade para o desenvolvimento individual e grupal de seus membros, independentemente dos arranjos apresentados ou das novas estruturas que vêm se formando. Sua dinâmica é própria, afetada tanto pelo desenvolvimento de seu ciclo vital, como pelas políticas econômicas e sociais. A família é uma sociedade formada por indivíduos, unidos por laço de sangue ou de afinidade.
Segundo a Constituição brasileira, o conceito de família abrange diversas formas de organização fundamentadas na relação afetiva entre seus membros. Entretanto, não se trata de um conceito rígido ou imutável. A configuração familiar está em constante reformulação. Com as mudanças econômicas, sociais e culturais, a sociedade está sendo obrigada a reorganizar regras básicas para amparar novos formatos de família. Por exemplo, hoje, no brasil, mais de 40% das famílias são chefiadas por mulheres, as chamadas famílias mono parentais. O que nos faz questionar a “família tradicional” como a única configuração efetiva.
Diretamente ligado à ideia de família estão as mulheres. Estas são parte fundamental da estrutura social e, a busca por sua emancipação trouxe diversas consequências para a instituição familiar e para a sociedade como um todo. Podemos pensar que para as mulheres, a família é um espaço dúbio. É um lugar de prazer, de lazer, de felicidade, de estar com os filhos, de cuidar do lar, mas também é um espaço de opressão, um espaço invisível, um espaço de trabalho não pago e as vezes um espaço de violência e agressões.
Então, precisamos questionar a ideia da família patriarcal racista, que coloca a figura da mulher nesses lugares de opressão. Há estudos que apontam que a vida da mulher muda radicalmente com a chegada dos filhos e a vida do homem quase não se modifica. Ou seja, há algo desproporcional na configuração da família tradicional/ nuclear patriarcal racista.
A família nuclear não é universal; trata-se de uma forma especificamente euro-americana, o que fica muito evidente quando analisamos contextos africanos. Podemos pensar, por exemplo, nas sociedades matrilineares nas quais o irmão da mãe exerceria funções que no modelo da "família nuclear" só poderiam estar atribuídas ao pai.
“Em grande parte da teoria feminista branca, a sociedade é representada como uma família nuclear, composta por um casal e suas/seus filhas/os. Não há lugar para outros adultos. Para as mulheres, nesta configuração, a identidade esposa é totalmente uma definição; outros relacionamentos são, na melhor hipótese, secundários. Parece que a extensão do universo feminista é a família nuclear”. Oyěwùmí
São diversos os debates envolvendo a família dentro da teoria feminista. Todos, porém, têm como objetivo a igualdade e a independência da mulher, e envolvem contínuos esforços para se alcançar tal proposito. Motivo este pelo qual é de extrema relevância e importância o estudo de teorias, visões e construções feministas sobre a família e a maneira como tais pensamentos influenciaram evoluções e mudanças no Direito como um todo e no Direito de Família.
Atualmente, o Direito brasileiro assumiu que a constituição familiar se fundamenta no afeto. Esse entendimento substitui o anterior, que baseava a família no matrimônio e na procriação. O entendimento jurídico sobre a família comporta vários tipos de agregado familiar e visa dar conta de toda a complexidade dos fatores que unem as pessoas.
É necessário lembrar que o modelo religioso tradicional de família foi criado para privilegiar um homem como dono de escravos, esposa e filhos. Ou seja, é um modelo altamente excludente e pouco adaptado aos dias atuais, nos quais por lei não há mais escravidão, mulheres estão em busca de equidade de direitos, reconhece-se a união formada por casais homossexuais e crianças também têm direitos a serem respeitadas.
Não existe só um modelo de família. Existem famílias das mais variadas configurações, adaptadas às mais variadas necessidades, gostos e afinidades. Ou seja, o modelo econômico e social precisa se adaptar à diversidade familiar. Família não precisa ser composta por um casal formado por duas pessoas (sejam uma mulher e um homem, dois homens ou duas mulheres). Família não precisa ser formada para produzir filhos, nem ser composta por laços sanguíneos (tratando a adoção como algo menor). Família não precisa estar restrita à heterossexualidade ou à heteronormatividade.
A família sempre desempenhou papel fundamental na vida do ser humano, representando a forma como ele se relaciona com o meio em que vive. É o núcleo essencial da organização social, motivo pelo qual o estudo do seu conceito e evolução é de extrema importância quando se busca entender as relações humanas. Sua configuração e regulamentação, entretanto, foi mudando com o tempo, acompanhando as transformações da sociedade.
Com tantas possibilidades de organização familiar, a proteção estatal do conceito “famílias” não deve estar vinculada ao conceito religioso cristão e conservador, baseado apenas na união de homem e mulher para produzir filhos. Porém, infelizmente, apesar das mudanças jurídicas que reconhece a pluralidade de formas de família e os direitos de indivíduos, o poder e a violência inerentes ao modelo conservador continuam em ação.
Portanto, ao falarmos de famílias, é preciso lembrar do Estado laico e combater o discurso religioso que quer interferir no cotidiano e nas políticas de Estado para restringir a liberdade e a autonomia das pessoas em formarem suas famílias sem seguir um modelo pronto, autoritário, conservador e excludente. Famílias são muitas: existem, devem ser reconhecidas e respeitadas.
REFERÊNCIAS:
Oyèrónkẹ Oyěwùmí Professora nigeriana
“Feminismo: Porque Lutamos? ” Caixa de ferramentas: conceitos fundamentais | Mariana Venturini
“Quem tem medo do Feminismo Negro?” Djamila Ribeiro
“O Segundo Sexo” Simone de Beauvoir
“Feminismo em Comum” Marcia” Tiburi
Amefricanizando o feminismo: o pensamento de Lélia Gonzalez
IMAGEM
Artista Gerhard Assini
Comentários