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  • Foto do escritorYanara Miranda

RACISMO

Atualizado: 6 de dez. de 2023

Para compreendermos sobre racismo é preciso, primeiramente, entender o conceito de raça. No livro “racismo estrutural”, Silvio Almeida diz que há uma grande controvérsia sobre a etimologia do termo raça. Segundo ele, o que se pode dizer é que sempre foi um termo usado para estabelecer classificações, entre plantas e animais, depois entre seres humanos.


“Raça não é um termo fixo. Seu sentido está inevitavelmente entrelaçado com circunstancias históricas em que é utilizado. Por trás da raça sempre há contingências, conflitos, poder e decisão”. Silvio Almeida

Segundo Silvio, raça corresponde a uma construção sócio-histórica. Dessa forma, a história da raça ou das raças é a história da constituição política e econômica das sociedades contemporâneas. Ao longo da história humana, entre cientistas e filósofos, a biologia e a física serviram como modelos explicativos da diversidade humana.

“Então nasce a ideia de que características biológicas – determinismo biológico – ou condições climáticas e/ou ambientais – determinismo geográfico – seriam capazes de explicar as diferenças morais, psicológicas e intelectuais de diferentes raças” Silvio Almeida.

Carregando uma narrativa de que a pele não-branca e o clima tropical favoreceriam o surgimento de comportamentos imorais e violentos. Contribuições como essas, estruturou e legitimou o discurso da inferioridade racial dos povos colonizados, que segundo os formuladores de teses, estariam fadados á desorganização política e ao subdesenvolvimento.


Dessa forma, Silvio almeida relata que a raça opera a partir de duas maneiras. Como característica biológica, em que a identidade racial é atribuída por algum traço físico, como a cor da pele. E como característica étnica racial em que a identidade será associada a origem geográfica, a religião, a língua e outros costumes.


“Negro é uma identidade política – formada pelos autodeclarados pardos e autodeclarados pretos. Preto é uma cor da Raça Negra, mas nem toda pessoa da Raça Negra é preta”. Carla Akotirene

Carla Akotirene diz que a cor da pele definida na certidão de nascimento não é um marcador sociológico. Quem nasce vivo, é incapaz de administrar a própria existência social, por isso o estado faz a definição. Preto, pardo; Branco, amarelo e indígena. A cor da pele descrita pela certidão de nascimento não é uma identidade. Você é incapaz de se autodefinir quando bebê, foi definido.


Ainda, segundo Carla Akotirene, as identidades são construídas a partir do fenótipo, da anatomia, da fisiologia e da morfologia, e o lugar bio-logico implica em tornar-se negro; tornar-se mulher; tornar-se pessoa com deficiência; tornar-se desta ou daquela geração, uma vez que o indivíduo é visto assim estruturalmente. A identidade resulta da experiência social. Portanto, raça, gênero, sexualidade ... delimitam as posições sociais inerentes as estruturas.


Racismo, preconceito e discriminação aparecem associados a ideia de raça. Embora os três conceitos tenham relação entre si, é importante termos o conhecimento do que os difere. “O preconceito racial é o juízo baseado em estereótipos acerca de indivíduos que pertencem a um determinado grupo racializado e que pode ou não resultar em práticas discriminatórias”. Silvio Almeida. Exemplos, é considerar que negros são violentos, intelectualmente menores ou que judeus são avarentos ou que japoneses são naturalmente destinados ao campo das exatas ou os povos indígenas são preguiçosos. Aqui cabe a tal frase “é minha opinião”. Preconceito disfarçado de opinião, não é opinião, é preconceito.


“Discriminação racial é a atribuição de tratamento diferenciado a membros de grupos racialmente identificados” Silvio Almeida. Podendo ser direta, que é quando acontece o repudio ostensivo a indivíduos ou grupos, motivada pela condição racial – exemplo de quando uma loja não quer atender clientes de determinada raça ou um pais proíbe a entrada de pessoas negras, judeus ou de origem árabe. E a discriminação indireta é quando a situação especifica de grupos minoritários socialmente é ignorada ou sobre a qual é imposta regras de “neutralidade racial” – sem levar em conta a existência de diferenças sociais significativas. Quando acontece de forma dissimulada, desprovida de fator de intencionalidade, com critério ou prática aparentemente neutra que coloca uma pessoa ou grupo de pessoas numa situação de desvantagem, como descreve Silvio em seu livro racismo estrutural. Por exemplo, praticas no mercado de trabalho – não é dito que uma pessoa não foi contratada por causa do seu cabelo, mas isso acontece, utilizando outras justificativas.


“Racismo é uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, que se manifesta por meio de práticas conscientes e inconscientes, que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertencem. Se materializa como discriminação racial – é definido pelo seu caráter sistêmico. ” Silvio Almeida


Silvio Almeida ainda afirma, que o racismo não se trata, apenas, de um ato discriminatório ou mesmo de um conjunto de atos, mas de um processo em que condições de subalternidades e de privilégios se distribuem entre grupos raciais e se reproduzem no âmbito da política, da economia e das relações cotidianas.


Afim de tornar mais didático o conceito, Silvio Almeida, classificou em três concepções. Concepção individualista – segundo essa visão é entendido uma espécie de “patologia”. Sob esse ângulo não haveria sociedades e instituições racistas, mas indivíduos racistas, que agem isoladamente ou em grupo. O racismo é uma imoralidade e também um crime, que exige que aquele que o praticam sejam devidamente responsabilizados, disso estamos convictos. Mas não podemos deixar de compreender que essa concepção é frágil. Se limitar a esse pensamento, é desconsiderar que as maiores desgraças produzidas pelo racismo foram feitas pelo abrigo da legalidade, com apoio da política, da igreja, das instituições.


Concepção institucional significa um avanço teórico. Sob essa perspectiva o racismo não se resume a comportamentos individuais, mas é tratado como o resultado do funcionamento das instituições, que passam a atuar em uma dinâmica que confere, ainda que indiretamente, desvantagem e privilégios a partir da raça. A concepção institucional do racismo trata o poder como elemento central da relação racial. Fundamentalmente porque as instituições são hegemonizadas por determinados grupos raciais que utilizam mecanismos institucionais para impor seus interesses econômicos e políticos.


Porém, as instituições são apenas a materialização de uma estrutura social. Dito de forma mais direta: as instituições são racistas porque a sociedade é racista. A concepção estrutural é o racismo decorrente da própria estrutura social, ou seja, do modo “normal” com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social ou um desarranjo institucional. O racismo é estrutural.


“O que queremos enfatizar no ponto de vista teórico é que o racismo, como processo histórico e político, cria as condições sociais para que, direta ou indiretamente, grupos racialmente identificados sejam discriminados de forma sistêmica. Ainda que os indivíduos cometam atos racistas sejam responsabilizados, o olhar estrutural sobre as relações raciais nos leva a concluir que a responsabilização jurídica não é suficiente para que a sociedade deixe de ser uma máquina produtora de desigualdade social. ” Silvio Almeida

É necessário desmistificar a romantização em torno do processo de colonização no Brasil, por exemplo. A forma como os acontecimentos foram retratados, desde o descobrimento até o processo social de povoamento e colônia de exploração, se pressupõe que foi uma ação democrática e pacífica. No entanto, a chegada dos portugueses ao país se deu de forma violenta. O primeiro contato com os povos originários gerou uma série de preconceitos enraizados na população do Brasil colonial.


Para Aníbal Quijano sociólogo e pensador humanista, esse contexto enfatizou a noção de que todos os colonizados seriam naturalmente inferiores. Deste modo, quando um grupo ou pessoa é etnificado/a e/ou racializado/a pelas relações coloniais, isso implica o estabelecimento de um lugar menor em relação aos europeus, tidos como o humano universal.


Aníbal ainda afirma, apesar de ser uma nação multiétnica, justamente por seu processo de colonização, que se estabeleceu há mais de 500 anos, neste período criou-se alguns preceitos discriminatórios contra a população indígena. Entre eles, o mito de serem improdutivos e gerarem despesas ao Estado, incentivando a banalização da cultura, apagamento histórico, tomada de seus territórios para atividades de desmatamento e garimpo ilegal, entre outros.


Para Ailton Krenak, pensador e ativista indígena, as relações dos povos indígenas com o Estado brasileiro resultaram na segregação dos indígenas, estabelecida mediante uma histórica relação de genocídio, de extermínio, e uma expectativa hipócrita de que os que sobrevivessem seriam mantidos em reservas cercadas por agronegócio.


“A doença do racismo, essa espécie de epidemia global do racismo, se originou da nossa separação da natureza, quando nós nos separamos da natureza a ponto de não compartilharmos mais com a natureza a riqueza da diferença. Quando se disse que a diferença é o outro, é a impossibilidade de aceitar a diferença, de aceitar o outro como diferença - isso gerou o que nós reconhecemos historicamente como racismo” Ailton Krenak

Kércia Priscilla Figueiredo Peixoto socióloga, afirma que no contexto brasileiro, o racismo contra o indígena é explícito, mas raramente é identificado como tal. No entanto, ao longo de suas pesquisas, Kércia percebeu que os indígenas começavam a nomear racismo para denunciar diversos tipos de ofensas, preconceitos e discriminações que sofriam.


Trata-se de uma realidade que começou a ser construída nos primórdios da colonização europeia, quando foram instituídas a escravidão indígena e a negra. Os indígenas deixariam de ser escravos oficialmente na década de 1750, na Colônia. Os negros, em 1888, no Império. Ambos os grupos conseguiram sair da escravidão, mas não puderam ingressar na cidadania plena.


Segundo apontamentos, o Brasil é a maior nação negra fora da África, somando 54% da população, e mesmo sendo maioria, os negros estão fora dos lugares de poder e experimentam em larga maioria os piores índices de desenvolvimento humano.

Foram quase quatro séculos de escravidão em pouco mais de cinco séculos de chegada dos colonos. Em 1888 houve a abolição formal, mas nenhuma política de inclusão das pessoas negras, pelo contrário. Ao passo que foi estimulada a vinda de imigrantes europeus, que receberam terras e oportunidades, pessoas negras foram marginalizadas de qualquer contato com o poder econômico e destinadas a serem base de exploração que, no caso das mulheres negras, se somam ao patriarcado. Nas palavras de Carla Akotirene, mulheres negras são a matriz geradora pois parem as vidas que serão a base do sistema.


“È justamente aquela negra anônima, habitante da periferia, nas baixadas da vida, quem sofre mais tragicamente os efeitos da terrível culpabilidade branca. Exatamente porque é ela que sobrevive na base da prestação de serviços, segurando a barra familiar praticamente sozinha. Isto porque seu homem, seus irmãos ou seus filhos são objeto de perseguição policial sistemática” Lélia Gonzalez

“Nós temos um racismo estrutural nas instituições brasileiras”, diz Conceição Evaristo. E dá exemplos: “as mulheres negras são as que mais morrem de parto no Brasil, tem também os assassinatos de jovens negros, a maneira como a polícia trata as pessoas negras, isso tudo é explícito”, ressalva.


Djamilla Ribeiro chama atenção de que é preciso compreender a história do Brasil. Entender que foram criados mecanismos legais para afastar pessoas negras de possibilidades de emancipação social. São vários os exemplos: a Constituição Federal de 1824 vedava o acesso de pessoas negras à educação, a Lei de Terras de 1850 condicionava o acesso a terras à compra e venda, e naquele contexto nenhuma pessoa escravizada estava apta a possuir uma propriedade, entre tantas leis de escravização.


E conclui: estamos dizendo que o racismo estrutura as relações raciais no Brasil e no mundo. Uma estrutura presente antes mesmo de nós termos nascidos. No Brasil é comum entrarmos em restaurantes e não encontrarmos nenhuma pessoa negra no local – nem como garçom ou garçonete. Quem vai a shopping terá dificuldade de encontrar uma vendedora negra nas lojas. Isso, vale frisar, em um país com 54% da população negra. Ou seja, o racismo estrutura a sociedade e, assim sendo, está em todo lugar.


Se chegamos até aqui com essa conversa escrita, é possível compreendermos que racismo reverso não existe. Luana Genot aponta que falar em racismo reverso é como falar em machismo reverso, como se os homens fossem estruturalmente oprimidos por mulheres. Sabemos que isso não é possível, pela forma como foi construída nossa sociedade. Baseada na - socióloga Kabengele Munanga – Luana Genot afirma que racismo tem a ver com relação de poder. E quem tem mais poder? Os brancos. Logo o racismo estrutural contra brancos ou racismo reverso, nessa perspectiva não existe. Não quer dizer que pessoas brancas não sofram preconceitos, mas de modo geral a estrutura está em favor das pessoas brancas. Não existe, a opressão coletiva estrutural de negros, indígenas e amarelos contra brancos. Nós sabemos que as pessoas brancas estão no topo dessa hierarquia, e são quem desfrutam de privilégios por causa disso.


“Reconhecer isso, não tem nada a ver com isentar as pessoas – todas elas - de suas responsabilidades individuais ou coletivas e em todo tipo de discriminação. Então espero que você, eu e todos nós estejamos juntos na construção de um plano de pais, que precisa justamente enxergar as diferenças para ser capaz de se endereçar a elas de modo mais corajoso e ativo, criando ou fortalecendo políticas afirmativas. A gente precisa agir juntos, para desmontar esse jogo que é o privilégio branco e construir uma sociedade com muito mais igualdade racial. ” Luana Genot

* RACISMO é crime! A Lei 7.716/89, conhecida como a Lei do Racismo, pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade. Em seu artigo 3º, a lei prevê como conduta ilícita o ato de impedir ou dificultar que alguém tenha acesso a cargo público ou seja promovido, tendo como motivação o preconceito ou discriminação. Por exemplo, não deixar que uma pessoa assuma determinado cargo por conta de raça ou gênero.


**Em janeiro de 2023 foi sancionada a PL 4.566/21, formalmente, reconhecendo a injúria racial como racismo ao coloca-la na lei 7716/89 e lhe dar nova regulamentação – crime inafiançável e imprescritível. Ofender honra de indivíduo por elemento racial é crime. Nos casos de injúria racial, a pena será dobrada se o crime for cometido por duas pessoas ou mais pessoas. Também haverá aumento da pena se o crime de injúria racial for praticado na internet e em eventos esportivos ou culturais e para finalidade humorística (injúria racial coletiva).

Assim, discriminatória é “qualquer atitude ou tratamento dado à pessoa ou grupos minoritários que cause constrangimento, humilhação, vergonha, medo exposição indevida, e que usualmente não se dispensaria a outros grupos em razão da cor, etnia, religião ou procedência”.


***Especialmente nessa conversa escrita, tive o olhar atento e a leitura da jornalista, apresentadora, empresaria, cantora, mulher potente - Jacklin Andreucce.


REFERÊNCIAS:

  • Silvio Almeida

  • Carla Akotirene

  • Aníbal Quijano

  • Ailton Krenak

  • Kércia Priscilla Figueiredo Peixoto

  • Lélia Gonzalez

  • Djamilla Ribeiro

  • Conceição Evaristo

  • Luana Genot

  • Kabengele Munanga



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