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  • Foto do escritorYanara Miranda

RELACIONAMENTO ABUSIVO

A dinâmica de um relacionamento abusivo é muito complexa. Relacionamentos abusivos tem suas bases no patriarcado, no machismo, no sexismo, no racismo - em várias das mazelas sociais que constroem uma sociedade. O relacionamento abusivo envolve abuso físico, psicológico, sexual, moral ou financeiro/patrimonial – um ou mais desses tipos de abuso.


Pode acontecer entre casais, relações familiares, no ambiente de trabalho e até entre amigos, mas os dados oficiais mostram que o relacionamento abusivo e a violência doméstica acontecem com maior frequência em relacionamentos heterossexuais, onde as mulheres são maioria entre as vítimas, com maior número de mulheres negras.


Quem inventou a violência foi a masculinidade, mas o relacionamento abusivo não é exclusivo de uma relação entre homem e mulher. Uma relação entre duas pessoas implica em uma lógica de poder, a gente aprendeu a se relacionar dessa forma. Existem relações abusivas entre duas mulheres, dois homens, enfim.


Por motivos óbvios de estrutura machista, os homens heterossexuais são a maior porcentagem dos abusadores. E as relações heterossexuais tem em suas bases a estrutura para que esse tipo de relação aconteça. Por isso, também, é possível viver uma situação de abuso em um relacionamento até então saudável. O que quero dizer é que um homem não precisa ser necessariamente um abusador recorrente ou um machista convicto para que se comporte de maneira abusiva. Apenas a dinâmica social/estrutural que é colocada para um relacionamento heterossexual, a construção conservadora da masculinidade, como conhecemos, já são terrenos férteis para dinâmicas abusivas. É preciso ficar em constante vigilância.


De acordo com a psicanalista Manuela Xavier, o machismo se atualiza – se hoje é proibido bater, gritar, xingar, ele busca outras maneiras de operar a tal lógica da dominação. “É um sistema que estrutura a sociedade e nossa subjetividade, e a tendência é que ele sempre vença. ”


Os abusos podem começar de forma sutil, confundido com “cuidado”, “proteção”, “zelo”. Há alguns sinais de que a relação pode se tornar disfuncional logo no início. O love bombing – afeto e cuidado excessivos que precedem a fase de abandono e desvalor – é uma das principais características desse tipo de relacionamento, como explica a psicóloga Alessandra Augusto.


“Essa pessoa com características de abusadora vira para a vítima e diz, por exemplo: ‘Você é muito expansiva, domina os lugares que nós vamos. Eu te amo tanto, fico até feliz que você seja assim, mas eu não consigo te acompanhar”. Alessandra Augusto

A maior porcentagem de mulheres que permanecem em relacionamentos abusivos, não tem esse motivo amparado na dependência financeira, como tendemos a acreditar. A maioria das mulheres permanecem em relacionamentos abusivos, por causa da dependência emocional. Isso explica muito bem a dinâmica desses relacionamentos.


O fato é que, aos poucos, o abusador vai minando a autonomia e a autoestima da vítima. Fazendo a mesma duvidar das suas capacidades, e até mesmo, duvidar dos incômodos e dores que os abusos causam. O abusador isola a vítima, dos amigos e familiares, para exercer maior domínio sobre ela - afinal, uma pessoa sem rede de apoio tem muito mais dificuldade para sair dessa relação.


“O tapa demora para aparecer, mas as violências psicológicas aparecem no primeiro instante. Não é a maioria que bate, mas é a maioria que exerce a lógica de dominação, que destrói a autoestima. ” Manuela Xavier

Entenda: há um ciclo do abuso em que, entre momentos da relação, o abusador começa a ameaçar, humilhar, insultar, criando um ambiente de perigo que termina em agressão física e/ou aumentam as agressões psicológicas. Após o ápice do abuso, vem o arrependimento, o pedido de desculpas e a busca por uma reconciliação por parte do abusador. Neste momento, geralmente vem as promessas de mudança para que a pessoa permaneça na relação e há um grande alívio da angústia vivida pela vítima, gerando uma sensação de bem-estar. Isso faz com que se torne ainda mais difícil para quem sofre abuso sair dessa situação. Há, ainda, um grande medo de retaliação pelo abusador. Além das palavras desmotivastes por parte das pessoas ao redor da vítima.  


“A violência física é o último ato de uma escala de violências. O homem que vemos nas manchetes, que esfaqueia a companheira, antes vasculhou o celular dela, reclamou do comprimento da saia. ” Manuela Xavier

No Brasil, a cada quatro minutos uma mulher é vítima de violência, e em 43% dos casos essa violência acontece dentro de casa. O problema é que no caso de relacionamentos abusivos, a violência muitas vezes não deixa marcas visíveis. A definição de relacionamento abusivo só é possível quando redefinimos o que é amor. Porque confundimos amor e violência.


Em geral, as pessoas que vivem em um relacionamento abusivo, dizem que estão ali por amor. “Ele tem ciúme e me xinga porque me ama, e tem medo de me perder”, “ele me controla porque me ama, isso é cuidado”. Temos que redefinir o conceito de amor, entendendo que ele não constrange, não controla, não limita, não humilha e não machuca – é o principal ponto para entender o que é abusivo e o que não é.


Se entendemos que relacionamentos abusivos acontecem por uma dinâmica de poder - poder esse em que aprendemos como forma de se relacionar, então, assim compreendemos que qualquer mulher está sujeita a vivenciar um relacionamento dessa natureza. “O conhecimento te protege, te salva antes de entrar numa relação, mas não é o conhecimento que te tira. ”


São muitos os motivos pelos quais as vítimas permanecem em relações abusivas, as vezes por longos anos. E nenhum desses motivos devem ser maior ou ser enfatizado mais do que “por que um homem é capaz de cometer abusos contra uma mulher? ” Essa é a pergunta que precisa ser feita e respondida. É o abusador que precisa prestar conta a sociedade.


E mais uma vez, enfatizo: precisamos inverter as perspectivas das dinâmicas sociais. Ser radical, é ir até a raiz do problema. Ser radical, é o que precisamos para mudar ciclos de abusos e violências. Ser radical, é irmos até a raiz mais profunda dessa cultura, que legitima violências como forma de dominação.


Não se constrói uma sociedade pacifica e com equidade, sem destruir o patriarcado e suas mazelas. Não dá para ignorar o papel do machismo na nossa estrutura social. Os homens agem assim, porque acham que o controle e o poder estão nas mãos deles, e o patriarcado confirma tudo isso. Para eles, desconstrução de padrões de masculinidades tóxicas, educação e acompanhamento psicológico. Para elas, a lei Maria da Penha, 180, coragem e todo o apoio necessário para quebrar o ciclo da violência.



REFERÊNCIAS:

  • Manuela Xavier - psicanalista, feminista, doutora em psicologia clínica.

  • Alessandra Augusto - pós-graduada em terapia sistêmica e pós-graduanda em terapia cognitivo-comportamental e em neuropsicopedagogia. 

  •  “O Segundo Sexo” Simone de Beauvoir

  • “Feminismo em Comum” Marcia” Tiburi

  • Livro "Seja Homem" JJ BOLA

  • Instituto Maria da Penha - https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html


IMAGEM:

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